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Xosé Lois García

EXPRESSÃO E DIVERSIDADE DA ACTUAL POESIA BRASILEIRA

EXPRESSÃO E DIVERSIDADE DA ACTUAL POESIA BRASILEIRA

Seria bastante difícil fazermos um itinerário da totalidade dos poetas brasileiros com obra publicada. São escassos os países que produzem tanta poesia como o Brasil; por isso, é quase impossível para um antologista oferecer uma obra em que estejam representados a maioria dos autores. Ante o enorme leque em que se configura a poesia brasileira, não se nos revela fácil argumentar que estamos perante uma expressão tradicionalmente de qualidade, dentro da sua diversidade.

Optamos, ao princípio, por apresentar ao leitor uma obra de carácter federalista, no que diz respeito à sua representatividade, para integrar em cada Estado aqueles poetas que tivessem nascido no mesmo e obtivessem uma repercussão real nesse espaço. Este escopo desvaneceu-se ao verificarmos que alguns dos estados quase não tinham representatividade numérica e outros ultrapassavam a escala possível. Dada esta situação, optamos por aqueles autores de qualidade expressamente reconhecida e consolidada. O leitor da presente antologia poderá comprovar que o temário é inovador, coerente e singularmente diverso. É fundamental ter em conta as expressões heterogéneas num país como o Brasil, com um componente geográfico e demográfico de grandes dimensões e com uma produção lírica que tradicionalmente foi veículo de mudanças importantes na sua literatura.

Tomar opção pelos poetas mais representativos desta diversidade temática implicaria limitar o número de autores, o qual seria problemático num país onde se produz tanta poesia. Neste caso, a nossa intenção reside em apresentar um mínimo de poemas por cada autor, que sejam representativos da sua obra. Poemas suficientes para revelar um consolidado projecto de criação individual.

Realizamos esta antologia de uma óptica muito pessoal e com o máximo respeito pela poesia brasileira de todos os tempos, procurando recolher a diversidade. São muitas as sugestões poéticas que nos chegam do Brasil. Um verdadeiro caudal de luminosos versos, pelos quais muitos autores mereceriam estar nestas páginas, mas o espaço editorial nos obriga a renunciar, infelizmente, a autores de incontestável valia.

Os meus contactos com a poesia brasileira, faz mais de trinta anos, foram através do “Romanceiro de Inconfidências” de Cecília Meireles. Depois, impressionaram-me Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Drummond de Andrade, Jorge Lima, Casiano Ricardo (no seu “Martim Cearê”), Murilo Mendes, João Cabral de Melo Neto, Ferreira Gullar e tantos outros, quase todos estes traduzidos para o castelhano. Portanto, faz-se desnecessário repetir autores já conhecidos pelo leitor espanhol. *

Mais tarde, chegaram-me os iniciadores da poesia pré-independência, na antologia de Sérgio Buarque de Holanda, intitulada: “Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Colonial”. Depois destas incursões, tive ocasião de ler obras variadas, antologias e criações individuais.

No “I Colóquio da Literatura Angolana”, celebrado em Luanda, em Dezembro de 1997, o escritor e crítico Fábio Lucas, sugeriu-me contactar com novos valores da poesia brasileira que possibilitaram as minhas expectativas de expor essa diversidade, contemplando as evoluções que se deram no Brasil na última metade do século XX. Encontrei-me, de uma óptica muito pessoal, com autores representativos da tradição e, também, da inovação, exprimida com grande pureza e sensibilidade.

Fica esclarecido, portanto, que os poetas aqui incluídos não representam a totalidade, dado que estamos ante um dos países mais prolíferos do mundo, quanto à poesia publicada, e de enorme atractivo quer pela sua qualidade quer pela sua quantidade. Na Europa não se conhece suficientemente a poesia brasileira, à excepção de Portugal.

Com Cassiano Nunes, retomamos sessenta anos da poesia brasileira do século XX, desde os anos quarenta, década em que se publicou o seu primeiro livro. A oferta poética de Nunes está articulada dentro de uns parâmetros liberalizadores, tanto a um nível ético como estético. Este poeta foi um dos iniciadores do denominado “pesquisismo”, embora o peso poético do modernismo se fizesse notar nessas datas iniciais. A sua poesia e intimidade existencialista serve-nos de ponte para transcender à outra margem, além do modernismo.

Na sua poesia cabem aqueles seres ou coisas que estão à margem do quotidiano. A eles é que nos leva para encontrar a essência mais pura da arte poética da poesia brasileira da sua época. Estamos perante o infatigável pesquisador da palavra exacta, do ritmo e do tempo, que configuram a permanência da sua criatividade poética.

Entrados na década de cinquenta, vemos que a poesia de César Leal irrompe, em 1957 sob o título: “Invenções da Noite Menor”. Depois, chegam-nos outros livros de poemas sugestivos como “Tambor Cósmico”, “Os Heróis” e “O Arranha-Céu e Outros Poemas”. Em todo este conjunto poético de César Leal, articulam-se os valores profundos da idiossincrasia brasileira. Leal visualiza plasticamente a comicidade que nos tributa a sua refinada sensibilidade. Em “Tambor Cósmico” revela-se genial e inovador. A esse respeito, Cassiano Ricardo, autor do prólogo do citado livro, diz: “Tambor Cósmico inaugura, como o título indica, o mundo a que chamei dos sobreviventes, mas de forma muito mais eficaz”.

No livro: “César Leal poeta e crítico de poesia”, organizado pelo escritor canadiano, Sébasten Joachim, o poeta e crítico brasileiro, Mário Hélio, diz: “O conhecimento teórico e a erudição não comprometem a poesia nem limitam o alcance da visão de César Leal, ao contrário do que acontece com o movimento concretista que tem uma visão estreita numa concepção aberta do poema, reduzindo-o de uma forma consciente às possibilidades, apesar dos milhões de combinações, e das probabilidades de infinitas leituras”. Também Ana Lúcia Lependa faz menção da poética de Leal “acentuadamente polissémica, por estar vinculada a sensações que englobam uma vigorosa experiência do mundo objectivo, o qual, na sua exteriorização, se expressa lírica e dramaticamente numa visão subjectiva em torno de ser para ser”.

Outro dos críticos de César Leal, Clodomir Monteiro, faz alusão a alguns dos atributos de “Tambor Cósmico”, ao precisar: “O mundo concreto dos cérebros, livros, máquinas, computadores e registros de toda a espécie se articulam com o território comum do leitor e autor, separados na sua subjectividade individualizada, juntos pela experiência estratificada do mundo das coisas, repensada, criticada e renovada permanentemente pelo diálogo com o mundo da tradição cientifica e artística, onde o leitor e autor se juntam num único autor e num único consumo de texto. Numa só escuta dos sons da vida emitidos pelas coisas que tocam no tambor do mundo”.

A poética de César Leal, em todos os casos, adquire uma dimensão universalista em todos aqueles conceitos em que podemos distinguir a beleza, nos seus aspectos mais clássicos. A sua original estrutura enquadra-se num âmbito de matemática poética, de diversos processos criativos intemporais, transcendentes. Quanto a isto, António Vidon, disse a 28 de Dezembro de 1997, no “Jornal do Comércio”: “A transcendência é a forma de superação da experiência fragmentada, e aqui é percebida como procura do ser. Há duas formas de transcendência que não se excluem mas são complementares: a cósmica e a ôntica”. Evidentemente, há múltiplas formulações na obra poética de Leal que confirmam essa visão do parcial e, também, da totalidade cósmica.

Outro dos poetas universais que fertilizaram uma etapa decisiva da poesia brasileira é Lêdo Ivo. Este poeta faz parte da geração modernista de 1945 e é um dos membros mais sólidos que teve o pós-modernismo que conhecemos com o nome de “Panorama”. Aí esteve Lêdo Ivo, reivindicando e construindo novos espaços, sem negar a histórica geração Modernista, mas, antes bem, alargando essa herança. Neste sentido, não se produziu um divórcio generacional entre o modernismo e o novo movimento poético, chamado “Panorama” que Fernando Ferreira de Loanda recolhe numa publicação intitulada: “Antologia da nova Poesia Brasileira” (1951) e na qual figuram variadas e inovadoras vozes. A imaginação criadora manifesta-se agora em diversos recursos que vão do espaço regional ao neo-romantismo e do intimismo ao neo-simbolismo. Este novo panorama esteve representado por uma nova intelectualidade que utilizou a sua dialéctica como resposta a uma série de concreções dogmáticas.

Sobre esta geração diz Adonias Filho: “Cada poeta, pois, sem se sair do movimento, tem o seu verbo único e próprio”. Este princípio tão pessoal detectamo-lo também em Lêdo Ivo, quem, sem esquecer o passado, evolui com essa maturidade com a que sempre se identificou a sua criação escalonada, fruto de um pensamento dinâmico. Os críticos mais conceituados da poesia brasileira constatam o excelso universo criativo em que se move este poeta universal. Entre esses críticos, Cassiano Nunes diz: “A volumosa obra de Lêdo Ivo –autor fecundo, pródigo, num país que tão pouco valoriza a arte literária, já que os ricos não pretendem melhorar o espírito e os pobres estão dolorosamente absorvidos na luta contra a fome- exemplifica optimamente o itinerário de um ser humano disposto a ir até às últimas consequências na realização de um sonho vocacional”.

Igualmente, deste ensaio de Cassiano Nunes emerge uma certeira sentença sobre a vitalidade poética de Lêdo Ivo, com estas palavras: “Pessoalmente não se dobra ao código do bom comportamento, criado e recomendado pela civilização. Defende e justifica a sua rudeza como necessidade inerente à sua sinceridade, conforme deixou escrito: ‘a cortesia não figura entre os meus defeitos’. Desconfiado, ele, sabe que as ‘conquistas da civilização’ podem ser usadas copiosamente contra a disposição da verdade”.

Na arte poética da segunda metade do século XX, a Lêdo Ivo devemos várias entregas que têm merecido a atenção de críticos e de público. O professor português, Jacinto do Prado Coelho, disse dele que era um “Poeta genuíno dos maiores da nossa língua comum”. Igualmente, Willy Lewin, assinala que “Lêdo Ivo é um poeta íntegro. Nele estamos sempre seguros de encontrar elementos (muitos, do meu agrado) que se vêm tornando cada vez mais raros numa certa indistinção geral: - todo esse aparato tornado possível e fecundo pela inolvidável (e muito séria) lição surrealista”.

Em Lara Lemos encontramos uma das vozes mais sensíveis das sugestivas crónicas de carácter existencialista. A sua poesia denuncia e protesta contra a opressão das ditaduras brasileiras. “Inventário do Medo” é um livro de poemas beligerante contra qualquer despotismo manifestado ou submergido. Este livro é um manual poético fruto de experiências reais, nas prisões da ditadura. Lara Lemos, pela sua atitude de luta em favor das liberdades, “pagou um pesado preço à repressão, não apenas como artista e pessoa, mas também como mito” (Moacyr Scliar).

Neste livro está representada a aflição de todo um povo submetido e reprimido. Lara Lemos constata-o como testemunho de excepção. Estes poemas de luta, luz e liberdade lembram-nos aqueles de Barbosa du Bocage, “No Cárcere”; de Luís Veiga Leitão, “Noite de Pedra”; e de António Jacinto, “No Tarrafal de Santiago”.

Com Lara Lemos, estamos perante uma poeta essencial e uma poética necessária, onde a dor se converte em preço de liberdade. Poeta de voz desafiante, exigente e solidária a favor dos direitos humanos. Um temário que representa o grito da dignidade e da esperança.

De Porto Alegre, como a anterior, encontramos a fascinante voz de Leonor Scliar-Cabral. Uma poeta preocupada por denunciar a história, feita a golpes de intolerância contra os sefarditas. O seu livro, “Memória de Sefarad”, descreve-nos episódios e comportamentos da Espanha dos Reis Católicos e que motivaram a expulsão dos judeus em 1492 e, posteriormente, a utilização de toda a maquinaria inquisitorial.

“Memória de Sefarad” é um livro de poemas necessário e pontual para recobrar a memória e a identidade daquela Espanha que não pôde ser ela mesma na sua diversidade. A Espanha que perseguiu os seus filhos sefarditas, despojando-os da sua própria pátria. Leonor Scliar-Cabral oferece um livro de poemas revelador da grandeza e do poder cultural dos judeus em toda a Península Ibérica e também do ultraje manifestado nas fogueiras. O pranto não emudecido de meio milénio e a fraternal lembrança ressurgem nos contundentes versos de Leonor Scliar-Cabral, que recordam a multirracial Toledo, o Call de Girona, a vigorosa Córdova e a calma e castigada Granada. Todos estes lugares estão presentes na sua poesia, carregada de ternura e ressurgida daquele fatal desencontro.

Leonor Scliar-Cabral é, além disso, autora de “Senectute Erótica”, um livro em que se aborda um tema e um problema de primeira magnitude: a realidade da mulher no nosso tempo e a sua liberdade, reivindicada nesses poemas que agridem o obscurantismo e a alienação feminina. Muitos dos seus sons e ritmos lembram-nos os melhores poemas antigo-testamentários do “Cântico dos Cânticos”.

José Santiago Naud, oferece-nos variadas temáticas numa obra extremamente ampla, madura e dinâmica. A sobriedade inventiva está à margem de particularismos exibicionistas. Os seus registos pessoais fazem de este poeta uma das vozes mais contundentes do Brasil.

“Memórias de Signos”, um magistral trabalho, proclama a maturidade de um poeta que, do seu contexto regionalista, gaúcho de Rio Grande do Sul, se universalizam nos seus versos. A sua temática oscila entre a erótica mais decidida e cósmica até às ciências ocultas.

Uma incursão poética bem diferente da anterior é a que nos oferece Jorge Tufic, um poeta que nos submerge no mito da força de essa palavra que revela a cultura indígena do Brasil, cultura tão desvirtuada e depredada por poderosos interesses. Eis o poeta da ancestralidade que nos conduz à oralidade e à mitologia de uma cultura marginada, que se resiste a desaparecer. Poesia eficiente e necessária para o reencontro com os sinais distintivos da cultura do Brasil pré-colombiano menosprezada, e da qual o autor dá testemunho com rigorosa delicadeza.

Para seguir o itinerário balizado por Jorge Tufic é imprescindível o seu livro: “Boleka”, no qual manifesta uma poesia de investigação sobre um espaço e onde o poeta busca a oralidade de um grupo étnico. Neste género, Tufic assinala o seu rigoroso domínio. Este poeta cearense é também autor doutros registos poéticos, entre os que há que salientar os seus conseguidos sonetos.

No livro “As Linhas da Mão”, do poeta e embaixador, Alberto da Costa e Silva, encontramos fascinantes recursos estilísticos que reflectem a grandeza e a plenitude da sua poesia. Aqui aparece o existencialismo mais activo e sugestivo em todo o seu esplendor. Diz com justa razão o autor do prólogo de esse livro, António Carlos Villaça, que o seu autor canta às “coisas simples” e as amplia a uma cosmovisão onde resplandece a tradição brasileira, concretizada em atributos e peculiaridades várias. Os mais atentos observadores da sua poesia incidem em que a sua criação está assinalada pela infância e pelo retorno às coisas.

Em “Ao Lado de Vera”, em certo modo elegíaco, de tradição clássica, reafirma a poesia de Alberto da Costa e Silva como uma das mais pessoais e autênticas do Brasil, fiel ao ritmo musical e a certo grau de melancolia. Estamos, então, ante “um poeta que é dos maiores que possui o Brasil na actualidade”, tal como nos assinala o crítico, Fausto Cunha.

Embora alguns críticos a situem na poesia de 45, o certo é que a obra de Renata Pallottini tem pouco a ver com aquela geração. De acentos formalistas e neo-simbolistas, alguns dos mais estritos observadores da sua poesia a localizam dentro do chamado realismo dinâmico.

A poesia de Renata Pallottini resplandece nas coisas mais simples. A partir de uma reflexão sobre o mundo que a rodeia, a sua poesia impregna-se de uma filosofia da vida assinalada por signos existenciais, maravilhosa e pessoalmente elaborada. Na sua obra encontramos temas universais. Entre eles, Espanha, com livros dedicados aos lugares a que tem peregrinado e captado.

Hugo Mund Júnior é outro dos poetas necessários em qualquer debate sobre a poesia brasileira. A sugestibilidade da sua criação não restringe a sua poesia, muito pelo contrário, já que a rigidez não é uma característica da sua criação. A palavra desafiante de Mund rompe os limites de estereótipos ou esquematizações tradicionais. Emerge da sua própria liberdade e da transcendência da sua sabedoria, anteposta a qualquer tópico que pudesse distorcer a sua criação. Estamos perante um poeta que foge do superficial e tenta penetrar no obscuro domínio das coisas e dos seres. Na poesia de Hugo Mund Júnior constatam-se várias frequências criativas, harmonizadas no seu próprio projecto criativo.

Proclama-se a soberania da palavra, que não permite filtros nem adulterações. O leitor de Hugo Mund Júnior pode comprovar que a sua poesia não é adequada para consumir numa simples leitura mecanicista. É preciso discernir as suas diversas sugestões simbolistas, indagar naquilo que este poeta preserva, exteriorizar todo o seu nascente criativo, decididamente original. Sendo fiel a ele mesmo, é imune aos contágios e limitações que se vêem noutros epígonos, o qual a boa poesia permite e agradece.

“Cramoscópio”, é um excelente livro de poesia de Anderson Braga Horta, um excelente poeta de Minas Gerais que mora em Brasília. A sua preocupação criativa está presente numa técnica de expressividade depurada. A ancestralidade e o telúrico manifestam-se nos seus versos como conhecimento que indaga no futuro. Um dos seus mais refinados críticos, é o também poeta Moacyr Félix, quem põe de manifesto os vários acentos criativos da sua poesia. Também sublinha o crítico Omar Brasil, a emoção que lhe produz a beleza da sua obra.

Assinalemos também a opinião da crítica Enriqueta Lisboa, quem opina que a poesia de Horta: “É cuidadosa e eficaz, para a associação das ideais e ressonâncias, a selecção dos vocábulos, um tanto contundentes e criativos”. Os registos poéticos de Anderson Braga Horta prolongam-se pelos horizontes de Brasília, onde descreve e interpreta com plenitude e contundência realidades e sequências da vida social.

Outro poeta mineiro, a morar em Brasília e que não é alheio aos diversos horizontes literários que inspira a capital federal, é Joanyr de Oliveira. Tem merecido a atenção e o respeito dos críticos mais significativos do Brasil. Três poemas da sua autoria, nesta antologia, são suficientes para captar a sua dimensão criadora e o seu discurso, que é ponderado, bem construído e definido. Neste sentido, é categoricamente explícito o escritor Salim Migol, ao opinar que Oliveira é autor de “Uma poesia contida, densa, elaborada, banhada por um sopro lírico de alguém que domina e sabe elaborar a sua linguagem. Nela está presente uma sensibilidade aguda, atenta à realidade de hoje e ao drama social do ser humano”.

A poesia de Leila Echaine projecta uns versos carregados de plenitude e de auto-afirmação. Esta poeta confirma-se num temário não rígido, onde a metáfora proclama o seu lugar e a linguagem tem a força contundente que sai do íntimo, obstinadamente reflexivo.

Outro dos grandes nomes da actual poesia brasileira é, com certeza, o de Nauro Machado. Os seus ecos ressoam em todo o Brasil, desde o Estado de Maranhão. Na sua voz concretiza-se um universo amargo e conflituoso. É o poeta na procura da liberdade humana. É, além disso, um mestre na técnica, destacando pelos seus poemas comprimidos como um grande artesão. Consegue harmonizar a mensagem e a musicalidade, através dos quais o verso flui e se expressa. No mais íntimo dos versos de Nauro Machado observa-se uma pureza originária, fruto de uma consciência que surge da observação do drama e do próprio conflito existencial. É aqui onde Nauro Machado transita por um espaço transcendente, pela prática mesma do quotidiano. E o quotidiano no Brasil, como em tantos países do globo com panoramas lamentáveis e excepcionais, feito à medida dos ditadores, encontra eco nesta poesia que procura a verdade das coisas mais simples; uma poesia forjada por um poeta beligerante, que manifesta estar preocupado pelas liberdades próprias e alheias, preocupado profundamente pela tragédia e a angústia que suportou o seu país, sentimentos que manifesta através da beleza da sua criatividade.

Forja um poema atrás de outro e com eles culmina um livro atrás outro. Observa-se neles a poesia da vida e transparentam-se os profundos sentimentos de um poeta que nos dá a impressão de que não conhece limites nem mistérios. Não há dúvida de que a sua palavra poética, emancipadora, activa uma ordem nova que rompe o círculo hermético que outros poetas brasileiros manifestam. A vocação e o esforço de tentar humanizar-nos com o poema é uma das prioridades que se tem traçado Nauro Machado na sua longa trajectória criativa. Para isto, tem sabido buscar a palavra exacta e contida, a comunicação fluida e equilibrada.

A obra poética de Nauro Machado é estudada e analisada pormenorizadamente por excelentes críticos e observadores, como Ubirata Teixeira, quem nos diz: “Nauro é o ícone da cultura maranhense, o que extrapola as suas próprias fronteiras, aquele que guarda a coragem divinatória de despir-se em público para revelar o íntimo da sua dignidade humana, a podridão do próprio homem”.

A poética de Machado é fruto da sua vocação por emancipar o ser humano das suas tragédias. É fruto da sua vocação de lutar pela verdade do desprotegido e marginalizado. Nauro Machado protesta e denuncia. Como muito bem nos assinala Wilson Alvarenga Borges: “ O seu verbo está ao serviço de uma vocação que exclui qualquer possibilidade de evasão”.

Uma sensibilidade poética diferente à de Nauro Machado, mas também importante, é a de Astrid Cabral, uma poeta que sabe impor a sua impressionante força ao poema, de diversos modos. O verso refrescante de Astrid Cabral irrompeu na poesia brasileira para legitimar uma nova ordem na arte da beleza poética. A sua original obra é fruto da sua incessante investigação. Em vários dos livros que conformam a sua esplêndida obra poética, palpita a sensibilidade que nos possibilita viajar aos espaços onde convive a angústia e o amor.

O amor e a defesa da mulher aparecem também com reiteração na sua obra. A libertação da mulher e a sua ascensão às estruturas culturais, sociais e económicas são referências que se perpetuam na sua poesia.

Traz, como não, à sua obra, a sua experiência de outros quadros geográficos pelos quais tem transitado, tanto em qualidade de exilada como de diplomata; países como os Estados Unidos, o Líbano, a Síria, a Grécia e o Irão.

Com razão opina o crítico Fábio Lucas: “Trata-se de um percurso da sensibilidade, cujo veículo de manifestação é a palavra poética: lírica e dramática, densa e engenhosa. No Mediterrâneo ou no Mar Vermelho, no Egipto ou na Síria, os acidentes são, antes, evocações históricas. Os objectos e as personagens são estímulos de criação... Como em qualquer rito mágico, não escapa da técnica de Astrid Cabral”.

O drama e a luta pelos direitos da mulher brasileira também o encontramos na poeta Arlete Nogueira da Cruz. Em “Letania da velha”, Arlete manifesta a sua preocupação por observar o universo das mulheres e dos meninos que sofrem e suportam a carga da desigualdade e da discriminação. É impressionante a sua voz de dor e denúncia por causa de trágicos acontecimentos. Em definitiva, é o seu um cântico existencial, fruto de uma atitude premeditadamente cívica, em favor dos mais fracos.

Myrian Fraga é autora de vários livros, entre eles, o intitulado “Femina”, uma entrega poética pela qual discorre uma poesia inovadora, que busca surpreender-nos e consegue-o, com formas nítidas, transparentes e lúdicas; com a palavra exacta. Myriam Fraga é artífice de uma procura profunda da palavra poética, com a qual levanta uma arquitectura lírica, em que o ritmo se acomoda e dá lugar à poesia.

Em Myriam Fraga concorrem varias temáticas, que são fruto de uma ideia central. Manifesta uma tendência ao verso comprimido e a poemas ajustados a uma mensagem concisa, sem renunciar à beleza.

De José Godoy Garcia só tenho lido “O Flautista e o Mundo Sol Verde e Vermelho” e em ele descobri a generosa oferta de um autor que nos comove quando evoca com dignidade e ironia o retorno à humanização das coisas e dos seres, ao abandono da alienação e a degradação.

Os seus poemas existenciais desvendam rebeldia, tão necessária e oportuna para mudar tantas coisas que continuam a escravizar os nossos semelhantes mais desprotegidos. A sua poesia ergue-se contra o silêncio dos que vivem no seu aposento de vaidades e que tratam de ignorar as humilhações de tantos. Trata-se de uma poesia de necessário social, nascida de um contexto marginal e da chamada luta de classes. E é neste espaço onde se articula a vitalidade dos seus versos. Como muito bem se apercebe o poeta cubano Nicolás Guillén: “Lo poético es un fenómeno social ligado profundamente a condiciones económicas e históricas concretas”.

As vozes dos clássicos regionais de Rio Grande do Sul estão representados pelos gaúchos Luiz Coronel, Carlos Nejar e Érico Veríssimo. Estes autores enaltecem os seus próprios valores culturais dentro do Brasil. Luiz Coronel é um dos melhores exemplos de isto. Sabe introduzir-nos no mais íntimo das vibrações populares, encarnando a grandeza de uma estirpe, no seu próprio tempo e espaço. Luiz Coronel comove-nos através do mito e a ancestralidade. Quando reflecte esse universo tão seu, não é para encerrar-se num hermetismo de tópicos e tradicionalismos ultrapassados, mas todo o contrário. A sua poesia é aberta e esclarecedora, tendente ao universal. De ele diz Armindo Trevisan: “Os poemas de Luiz Coronel são musicais, líricos e realistas ao mesmo tempo. A grande poesia é isso: magia verbal e imaginação estimulante. Os novos caminhos que o esperam não serão menos surpreendentes e maravilhosos dos já transitados”.

Nos poemas de Luiz Coronel que temos incluído, estão presentes temas elegíacos e épicos, pelos que transcende essa magna odisseia do universo gaúcho. Os personagens heróicos estão presentes nesta excelsa obra, que nos permite conhecer e compartir a luta de um povo pela sua própria sobrevivência e identidade. A poesia de Luiz Coronel serve-nos para transitar pela memória histórica de uma das culturas mais criativas do Cone Sul americano. Os cânticos, louvores e a sátira gaúcha proclamam-se na sua poesia. Este autor tem também outros registos como o que se manifesta no seu livro de poemas: ”Um Girassol na Neblina”, que representa outro exemplo da sua diversidade e o seu domínio criativo.

Outra poeta necessária na poesia brasileira é Maria Carpi. Dizemos necessária porque esta criadora é depositária de uma poética existencialista e não é escrava de qualquer dogma ou esquema. Assim, pois, encontramo-nos com uma autora exigente e capaz, com vários campos expressivos e uma completa obra pessoal. O místico, o divino, o social, o pessoal, conferem identidade a esta poeta.

Outra autora de bom fazer lírico brasileiro é Lenilde Freitas. De ela, disse Elisa Guimarães: “Sem apelar a recursos retóricos no tratamento do processo criador, Lenilde Freitas construi com raro equilíbrio estético uma poesia a um tempo extremamente simples e lucidamente profunda”. Estas palavras apontam directamente à intimidade dos seus versos. Segundo Fábio Lucas, “Nota-se uma atmosfera intimista, associada a um vivaz espírito de agudeza. Distancia-se do modelo épico, pois é clara a sua proximidade ao campo lírico”. Neste caso, Fábio Lucas fala-nos do livro de poemas: “Desvios”, um livro fundamental, repleto de significados e mensagens.

Por outra parte, quando Adélia Becerra de Meneses faz o prólogo de outro livro de Lenilde, “Esboço de Eva”, diz que esta obra nos “propõe uma releitura do mito bíblico” O certo é que este livro aborda uma reflexão feminista que abrange toda a problemática da mulher, através dos tempos. Eva expulsa do paraíso, o protótipo da mulher expulsa e deserdada do seu próprio corpo. Lenilde Freitas conduz-nos através da sua metáfora até à mulher reivindicativa, para deixar de ser incompleta.

É bastante complexo internar-se na poética de um dos mais sóbrios e rigorosos poetas brasileiros, como é Carlos Nejar. Este poeta gaúcho, como ele gosta de se definir, é crítico, novelista e antologista. É uma das personalidades mais brilhantes da actual poesia brasileira. Nejar visiona ao ser humano a partir de vários espaços analíticos. Não elude abordar temas sociais, as misérias irredentas. A sua lucidez poética passa pela denúncia contra qualquer agente totalitário. Percebe-se a vocação humanista que respiram os seus versos, de extraordinário fulgor e transparência inimitável.

O crítico literário, Temmístocles Linhares assinala que Nejar é o poeta da criatividade livre, que não está atento às vanguardas do momento nem a uma disciplina regida por cânones que não são da sua própria convicção literária. É verdade que este poeta gaúcho não tem entrado nessas simplicidades teóricas que se manifestaram em certas esferas da poesia brasileira dos anos sessenta e setenta. Assim o confirma Linhares: “Ele é simplesmente poeta e penso que não quer ser outra coisa. Faz poemas como o canteiro faz casas, como o padeiro faz pão, alguma coisa do concreto do real e que é alheio a essas extravagâncias tão problemáticas”.

Outro de seus críticos, Léo Wilson Ribeiro, confirma: “ A poesia de Nejar nunca é uma criação esporádica ou bissexta”. Transcendência e transparência são dois elementos básicos do equilíbrio vital da sua poética.

De Minas Gerais, chega-nos o eco de Marta Gonçalves, o seu livro: “Paisagem Imaginada”. Um livro de poemas que nos descreve a fecunda identidade do microcosmos mineiro. O seu trânsito por essa geografia paisagística e arqueológica deixa-nos as suas emotivas impressões, a sua paciente e idílica experiência psicológica.

É fiel aos seus próprios perfis e à memória colectiva, que por vezes nos lembra essa crónica bem matizada e resolvida com a que Manuel Bandeira se recriou. Marta Gonçalves procura na memória a solenidade das coisas. Por isso, estamos ante uma activista da poesia, com uma numerosa e cotada obra poética.

Desde Minas Gerais vamos até Bahia. Ali encontramo-nos com a grandeza poética de Ildásio Tavares, pedra angular da lírica brasileira. O seu eco fecundo e cheio de autenticidade é determinante. A sua contribuição é louvada por aqueles que o seguem de perto. Assim é de rotundo Fábio Lucas: “O trabalho de Ildásio Tavares vai além do divertimento semântico. Sob pretexto de personagens de nossa história, constrói sonetos repletos de sentido, mensagens plurivocais, com essas palavras explosivas, pois, no curso da sonora abundância activam-se além das ideias, como uma carruagem iluminada na escuridão da noite”.

A autenticidade do seu trabalho, obstinadamente puro, levou o escritor Jorge Amado a opinar o seguinte: “Espírito inquieto, cheio de interrogações, buscando ansioso a resposta para uma quantidade de perguntas que estão em muitas bocas mudas. A poesia de Ildásio às vezes parece sacudida pelo vendaval das dores do mundo. Na sua circunstância poética, o social ocupa um importante espaço, quando não a própria condição política do ser humano”. Jorge Amado leva-nos a um lugar comum, que é a problemática social, tão presente na poesia de este poeta.

Em toda a projecção de Ildásio Tavares esgrime-se uma voz contundente, baseada numa linguagem não limitada nem submetida por nenhum tópico esnobe. Tavares está noutra dimensão, senhoreando a palavra, a metáfora e urdindo com elas uma mensagem capaz de sintonizar com uma ampla visão do quotidiano.

De Márcia Theóphilo chegam-nos dois sugestivos livros, que respondem à sua profissão de antropóloga. Neles manifesta estar atenta aos aborígenes do Amazonas, em cujos mitos milenários penetra. Reivindica esse universo tão pessoal como é o da Amazónia. Márcia Theóphilo reflecte na sua poesia as pautas de essa civilização que vemos claudicar, sob interesses depredadores.

O aspecto social, existencial e ecológico da sua obra transcende além de um simples bucolismo. Na sua poesia de denúncia cabe o grito colectivo. A presença do humano também tem ressonâncias do telúrico e o ancestral. A base da sua obra fundamenta-se na ancestralidade mitológica e na celebração do mais sublime que esconde o espaço amazónico. É tenaz na defesa ecológica e em procurar a reconquista do paraíso perdido da Amazónia brasileira. Como bem diz Rafael Alberti, neste poema dedicado à poeta brasileira:

“Con un nudo en la garganta,
Márcia Theóphilo grita,
Marcia Theóphilo canta.

Ondo corazón alerta, hondo?
dura voz denunciadora
en clara sonrisa abierta.
(...)
Los indios exterminados
en las tierras invadidas
de los bosques saqueados.
(...)
Paraíso terrenal,
en donde nadie moría,
donde el indio era inmortal”.

Com certeza, Alberti captou neste poema a paixão de denúncia que permanece no grito-cântico de esta autora, contra a depredação do meio e o extermínio dos índios. Márcia Theóphilo é a poeta da denúncia e da consciência colectiva.

São muitas as referências que se realizam de Ruy Espinheira filho. Trata-se de um autor de linguagem poética, sóbria, depurada e esclarecedora. Estamos perante um poeta cósmico, com grande poder de persuasão; um grande lírico, que nos conduz a experiências insólitas quando nos submergimos nos seus versos. Os registos de este poeta são autênticos e a capacidade da sua voz desdobra-se com força no panorama mais inovador da poesia brasileira actual. Segundo Fábio Lucas, rigoroso crítico literário, Ruy Espinheira Filho: “É uma das vozes mais autênticas da nossa poesia. Lirismo de grandes voos”. Faz anos, concretamente em 1974, Carlos Drummond de Andrade qualificou o livro de Espinheira filho, “Heléboro”, como “Poesia concentrada e de subtil expressão”.

Outra voz poética peculiar e importante é a de António Brasileiro, que se inscreve na parcela metafísica e se orienta para as coisas mais simples e olvidadas, para colocá-las no lugar que lhe corresponde. A sua poesia encarna o universo por onde o homem transita com as suas glórias, inquietudes e angústias. O palpitar do homem, dentro do seu microcosmo, sempre deixa pegadas que a sua poesia recolhe, assim como a procura obstinada do imperecedouro e do mistério.

A sua prestigiosa e pessoal poesia é um dos contributos mais atractivos da criação lírica desde os anos sessenta até à actualidade, mérito que se tem reconhecido a nível nacional. A obra de este poeta baiano demonstra domínio da linguagem e do conhecimento e abre grandes perspectivas à inovação da poesia brasileira.

O poeta mineiro, Aricy Curvello, apresenta-nos uma poesia nítida, sóbria e concisa. Fruto de uma consciência social, a sua poética responde a um espaço sociopolítico no que procura, tenazmente, a justiça. Aricy Curvello foi perseguido e encarcerado na ditadura militar de 1964, pela sua atitude em defesa dos direitos humanos; portanto, a sua poesia responde a essa ética de denúncia e liberdade. A sua obra contribui, pois, a forjar uma nova ordem sociopolítica. A trajectória da sua criação surge da sobriedade do ritmo e do reiterado compromisso em favor das liberdades do Brasil, na época da ditadura. Ética e estética florescem juntas, conformando uma mensagem equilibrada e rotunda, com o fim de promover uma mudança de atitude frente à falta de liberdade. Poesia, pois, beligerante, de compromisso cívico. Há outro aspecto importante na poesia de Aricy Curvello e é a intimidade com que trata os seres e as coisas no seu estado natural, graduando a tensão em positivo.

Outro dos poetas de alta qualidade criativa é Pedro Lyra, natural de Fortaleza (Seará). Confirma-nos o seu profundo conhecimento da poesia a partir de três dimensões diferentes mas complementares: como criador, como crítico e como antologista. Nesses três âmbitos está presente a liberdade. A sua poesia domina a linguagem aberta e estimulante, capaz de criar uma visão nova na poesia brasileira. É o poeta da diversidade temática, em que concorrem o poema ideológico, de crítica política e social e o poema pedagógico, através da “microestrutura do verso”, expressão que utiliza o crítico Gilberto Mendonça.
Outro dos seus críticos importantes é Assis Brasil, quem reflexiona sobre o seu profundo alcance criativo. Em qualquer das análises dialécticas que se têm realizado sobre a sua poesia, sempre surge o tema ideológico. Encontramo-nos, mais uma vez, ante uma poesia primordialmente social. Trata-se de um poeta generoso e indispensável na poesia brasileira actual.

Sérgio de Castro Pinto tem interessado aos críticos mais prestigiosos e estudiosos da poesia brasileira. A sua obra mereceu um livro analítico de João B. de Brito, intitulado: “Signo e Imagem em Castro Pinto”. A sua obra poética alicerça numa produção nítida, livre e autêntica. Este poeta do Paraíba resulta-nos vital e explícito no trabalho poético que realiza e coloca-se justo entre os grandes criadores da poesia brasileira. Poucos elementos quebrantam a sua precisão meditativa e autocriticista.Sérgio de Castro Pinto tem uma direcção traçada, um caminho que ele “fez ao andar”, pelo qual transita solidamente e no qual a sua linguagem resplandece e emociona, com o seu verso limpo e depurado e o seu compromisso com a lucidez.

De João Carlos Taveira diz-se que, dos poetas de Minas Gerais, é o que menos tem perdido a sua originalidade regional. A sua transparência poética é bem notória no Brasil. O seu domínio do verso abre-lhe horizontes excepcionais, dado que o seu universo poético é fruto de um prolongado exercício de procura estética. O espaço mineiro resulta-lhe fundamental, como muito bem nos recorda o poeta e crítico, Casiano Nunes: “Taveira é muito representativo de seu contexto cultural: Minas Gerais.

Os diversos livros de poemas de Taveira congregam-nos na realidade existencial, através do rigor inquestionável dos seus versos, ordenados com simplicidade e impregnados da metafísica que o poeta extrai do quotidiano. É assim como sentimos a emoção sonora de esse rio equilibrado e lírico que, sem transbordar do seu leito natural, flui gradualmente. A personalidade e as raízes mineiras de João Carlos Taveira fazem parte da sua trama poética e conformam, com certeza, a sua personalidade, tão acusada e vital e em comunhão perpétua com o seu meio espacial.

O poeta da Pampa brasileira, Carlos Nejar, opina que “Taveira consegue a madurez do verso e do silêncio. A música de uma viagem incandescente entre Minas e o amor, passando pelo mundo. Poesia contida, densa, dúctil, serenamente humana”. Outro poeta mineiro, Anderson Braga Horta, referindo-se ao livro de Taveira: “Aceitação do Branco”, diz: “Não sairão frustrados de estas páginas, pois a poesia de João Carlos Taveira é antes de mais um cântico”.

Nesse outro livro da sua autoria: “Canto Só” consolidam-se as estruturas de uma poesia, ou de um cântico solidário, que reafirma o compromisso de Taveira com o seu próprio processo criativo.

No Estado brasileiro de Santa Catarina, encontramos um dos poetas ligados à criatividade mais nobre e distinguida da poesia brasileira. Trata-se de Alcides Buss. É este um poeta preocupado pelo verso amatorio, tal como se manifesta no seu livro: “Círculo quadrado”. O amor está muito presente neste poeta. Em cada um dos seus livros, Alcides Buss reflexiona e distingue o que é amor do que é sexo.

Outro dos livros poéticos mais interessantes e sugestivos da obra de Alcides Buss é: “Transação”, no qual figuram alusões a poetas míticos da esfera brasileira, como Raul Bopp, Cruz e Sousa e Manuel Bandeira. Alcides Buss pratica a poética da memória. Resgata aquilo que se perde e se destrói. A sua dialéctica baseia-se em retomar o tempo perdido ou sem memória, codificando as coisas para que resistam à derrota e colocando-as nos seus versos como trofeu resgatado, estabelecendo assim a sua relação misteriosa entre o homem e as coisas que o rodeiam.

Outro dos poetas mais emblemáticos do Ceará é Luciano Maia, que nos descobre com enorme energia o seu Estado nativo. Um dos livros que mais reivindicam este espaço é o intitulado: “Jaguaribe”, nome do rio que atravessa o Estado cearense. Trata-se de um memorando sobre as aguas de este rio e dos horizontes por onde cavalgam, pelo Sertão onde as culturas estão feitas à medida e imagem do rio. Neste livro de poemas encontramos varias temáticas, a ecológica, a social, a económica e a antropológica; tudo girando ao som das águas. Portanto, Luciano Maia serve de médium entre o Jaguaribe e os receptores de estes poemas. A excelsa mitologia sobre o rio desperta-nos a admiração pelo seu microcosmo nativo.

A obra de Maia, “Seará”, está tutelada pelo topónimo de este Estado do Nordeste brasileiro. A temática de este livro concentra-se em aspectos históricos, relacionados com a ancestralidade de um colectivo que guarda a memória do Jaguaribe. O quadro telúrico e ancestral das margens de este mítico rio, servem-lhe como elemento chave para a modernidade da sua poesia. Estamos ante um poeta universalmente revelador de tudo aquilo que o Ceará nos oferenda.

Por outra parte, em “As tetas da loba”, Luciano Maia realiza uma incursão na latinidade e faz aflorar as fragrâncias culturais que a vetusta Roma espargiu por todo o Ocidente. Neste livro, estão os vestígios arqueológicos e os arquétipos da nossa essência cultural. Uma homenagem sincera deixa-se ver neste reencontro com as raízes ancestrais da inesquecível Sefarad e do universo, tão expressivo, da cultura árabe na Península Ibérica. A latinidade como elemento integrador e, também, como expressão da diversidade de culturas que enriqueceram os diversos solares hispanos até que os Reis Católicos mutilaram a harmonia cultural, da qual Brasil também se tinha nutrido, em diversos graus.

“Rosto Formoso”, outro dos títulos de Luciano Maia, lembra-nos os melhores poemas da criação clássica. Aqui, o poeta exibe os seus magníficos recursos para explorar e revelar a intimidade dos seres e das coisas.

Terêsa Tenório é uma das poetas de Pernambuco que se tem convertido em coluna da geração de 1965. Através da sua palavra poética, transitamos por imagens, símbolos e horizontes imaginários, repletos de beleza. Em “Corpo da Terra”, de cujo prólogo é autor Fábio Lucas, Teresa Tenório realiza a sua liturgia poética, regulada por uma atmosfera em que convivem o amor e a intimidade do vivido e o observado. A poesia de Teresa Tenório sulca o caminho de iniciação na reflexão e o diálogo. É uma criadora que nos surpreende com a sua habilidade expressiva e com a força do equilíbrio que emana dos seus poemas amorosos e cósmicos.

A obra do poeta catarinense, Vicente Cechelero é vital, dialogante e sintoniza com o essencial. Na sua poesia convivem Eros e Thanatos, numa relação nutrida de pinceladas místicas, que não excluem outros tipos de insinuações. Observamos também uma certa coabitação entre alguns aspectos do cristianismo e do budismo, num contexto cósmico e religioso.

Vicente Cechelero é um bom criador de poemas sintéticos, contagiados pelo quotidiano. Utiliza uma linguagem aberta, através da qual o poema impregna-se de significados.

José Nêumane Pinto é outro autor interessante. No seu livro, “Sóis do Silêncio”, integra-nos na pedagogia da sobriedade do verso, no qual inverte uma linguagem essencial e transfiguradora, para reflectir os ambientes sólidos em que se fundamenta a sua poesia. Outra das suas obras poéticas, que é um referente e que trazemos à presente antologia é: “Barcelona, Borborema”. Neste livro de poemas, muda de registo para codificar as suas impressões e expor a sedução que lhe produziu a capital de Catalunha. Trata-se de uma espécie de manual de iniciação para penetrar nos segredos que custodia Barcelona. Antoni Gaudí é o centro de esse mistério no qual também atingem protagonismo Miró e Picasso. Gaudí é o vínculo que une a arquitectura com essa outra estrutura maravilhosa que é o lirismo. Neumane fixa essas impressões que fazem delirar aos turistas e reflectir ao poeta. Nesta textura evocativa há poemas comovedores que nos levam, através de Barcelona, a evocar a sua própria cidade natal: Borborema. Borborema e Barcelona ficam, de este modo, em irmandade no verso e abraçam-se graças à universalidade que palpita na poesia de Nêumane.

Outro poeta que nos fornece ecos hispanos, é o cearense Virgílio Maia. Com o seu bom fazer poético lembra-nos as luzes dos sefarditas, de Goya e as sombras de López de Aguirre ou de Francisco Orellana. Uma reflexão íntima entre o amor e o desamor que se deu no contexto histórico, entre a arrogância do vencedor e a humilhação do vencido. Na convivência daquela diversidade cultural e étnica impôs-se a intolerância, que lamenta e critica Virgílio Maia.

Em Suzana Vargas, poeta de Rio Grande do Sul, nas terras gaúchas de Brasil, observamos um trabalho austero e original, que confirma a esta criadora como uma peça importante da sua geração poética. Caracteriza-se, entre outras coisas, pela tensão criativa que infunde a sua obra, emanada de um ideário rigoroso e íntimo. Suzana Vargas, através do seu talento criativo e um ziguezague de palavras, constrói mensagens e com elas um espaço à medida da sua artesanal poesia.

Outra poeta do Sul de Brasil, em concreto do Estado de Mato Grosso, é Raquel Naveira, autora de várias entregas poéticas, através das quais nos apresenta um original ambiente místico. No seu livro “Abadia”, perfila-se um entusiasmo essencial que nos facilita uma incursão pela musicalidade e o ritmo em que se sustentam os seus poemas. Santos, profetas e um largo séquito místico desfilam pelos seus versos, que pretendem ser um refúgio lírico para a alma perdida.

As personagens despidas que aparecem na poesia de Naveira dão a sensação de carecerem do tempo necessário. A paixão de esta poeta leva-a, sucessivamente, a irritar-se e consolar-se em Deus e noutras divindades. Olga Savary, autora do prólogo de “Abadia”, afirma: “Como no vinho, fermenta o mosto quando todo vem à substância da pele. O espírito manifesta-se através do rosto: bondade, ira, desgosto”.

A poesia de Raquel Naveira encontra no Brasil uma terra receptiva pelo fulgor religioso da grande maioria das suas gentes. A poeta recolhe esta dádiva misteriosa que os deuses lhe oferendam. Mas a sua temática mística não deixa a um lado a injustiça que paira sobre os mais fracos. Nomeadamente a mulher, com as múltiplas cargas que a oprimem e discriminam, está na perceptível mensagem de esta poeta, do seu humanismo liberalizador.

O poeta mineiro Edimilson de Almeida Pereira poderia localizar-se no quadro da poesia étnica; neste caso, um retorno à expressão e à presença da África no Brasil, dos escravos negros que construíram a cultura afro-brasileira. A cultura da autenticidade e do mestiçamento é bem conhecida e admirada no Brasil e tem produzido grandes poetas negros ou mestiços, sem os quais a poesia e, em geral, a cultura brasileira, seria mais pobre. A este propósito, vem-nos à memória o pai do simbolismo brasileiro, João de Cruz e Sousa, poeta de sangue e cor africanos que imortalizou o cântico solene e profundo da alma ferida e amante da liberdade. Se retrocedemos a tempos mais afastados, encontramos Domingos Caldas Barbosa ou Natividade de Saldanha e com eles numerosos poetas afro-brasileiros, também testemunhos de essa cultura, vítima de tantas incompreensões.

Em “Corpo Vivido”, o excelente livro de poesia de Edimilson, a temática, como não podia ser de outra forma, versa sobre a África pura e mítica, na qual sempre estão presentes a oralidade e o cântico dos tantans. Aqui, a cultura e as tradições banto do Congo e a Angola ainda vibram nos corpos que não sucumbiram ante a escravatura. Edimilson de Almeida Pereira é um fiel cronista da grandeza de essa cultura. Estamos, pois, ante uma poesia directa, testemunhal e comprometida com a realidade cultural dos pretos. Uma cultura perfeitamente codificada por Edimilson de Almeida Pereira, que fornece sólidos recursos a um meio que lhe tem sido muitas vezes hostil. A poesia de Edimilson está nutrida de experiências. Por isso, sabe gerar uma obra formal, baseada nos atributos de uma comunidade estável, que não está a expensas de nenhuma outra. No projecto poético de Edimilson consolida-se um grande número de dimensões quanto a experiências e essências, com géneros e matizes elegíacos, simbolistas e costumbristas. Os acentos populares encontram-se tecidos nesses versos metafísicos.

Outro dos grandes poetas nascidos nos anos sessenta, de fecunda e fascinante criação, é Iacyr Anderson Freitas. Criador de decidida mestria, cujos versos proclama sílaba a sílaba; é assim como a sua palavra poética exerce o seu poder, manifestada no perfeccionismo das formas e nos efeitos que de elas emanam. Como nos diz Sônia Brayner, a autora do prólogo do seu livro: “Mece”: “Sob o signo de mudança instaura-se a palavra poética em “Mece”, de Iacyr Anderson Freitas”.

Na poesia de este já consagrado autor encontramos uma espiral em movimento perpétuo. A palavra com que ergue a sua lúcida arquitectura, nos seus mais harmoniosos movimentos rítmicos, respira existencialidade e proclama a memória das coisas. A sua poesia orienta-nos para um diálogo relevante. Todo um discurso de propostas básicas, de sugestões profundas e de percepções novas. O sentido das coisas faz parte do material de construção da sua poética.

Outro poeta mineiro, como os dois anteriores e da mesma geração, é Fernando Fábio Fiorese Furtado. No seu livro de poemas “Ossário do Mito”, leva-nos a percorrer ou recuperar o passado, através de poemas evocativos, sugeridos pela própria história. Recorrer ao mito implica romper o véu do tempo e desandar o caminho que outros realizaram. Fernando Fábio desafia os limites do temporal e no seu percurso imaginário chega a visitar e voltar a interpretar esses símbolos enigmáticos.

Através da memória, a sua poesia retorna a um mundo que dorme o sonho da história e no qual se localiza o mito. Este mito ressuscitado, sem códigos previstos nem censuras, chega como um presente deliberadamente preciso e essencial.

O livro de poemas “Enigmas”, é a estreia de Verôrica de Aragão. Foi muito bem recebido pela crítica, que lhe emprestou uma considerada atenção às coordenadas mais decisivas de este livro. Através do quotidiano, seduz-nos e nos conduz ao aspecto social e reivindicativo. Podemos dizer que a sua poesia é vigorosa, limpa e evocante.

A conquista do presente, sem olhar para atrás e sem pretender conquistar futuros, centra o discurso poético de Aragão. Em “Enigmas” há uns versos que podem tutelar o resto do seu livro de poemas, quando diz:

“Amar todo o presente
sem futuro nem passado”.

Na poesia de Verónica de Aragão manifesta-se a tradição da melhor poesia brasileira. Está pensada para o presente entusiasta, que vê as coisas desde a imparcialidade e que se aferra à verdade. Contém uma crítica lúcida, feita à medida das coisas, uma crítica social que procede de uma exaustiva averiguação existencialista.

Fabrício Carpi Nejar, unifica os seus apelidos para determinar o seu nome poético, Carpinejar. Este é um poeta jovem, nascido na década de setenta, que bem pode representar nesta Antologia um enorme contingente de poetas da sua geração. O último livro de Carpinejar, intitula-se “Um Terno de Pássaros ao Sul”, está editado no ano 2000 e serve-nos para entrar no umbral do terceiro milénio. Este livro enlaça o passado mais imediato com o presente e nele se pressagiam mudanças importantes no amplo espaço da poesia brasileira. Passado e presente são duas medidas bem calculadas no processo criativo de Carpinejar, um autor que já tem dado suficientes provas de conhecer os espaços compositivos que deseja trabalhar.

A importância da sua economia poética justifica-se pela autoexigência de controlar e estruturar cada um dos recursos expressivos, do qual surge uma poesia livre, harmónica e soberana.

Carpinejar tem um claro conhecimento e domínio sobre a estrutura de qualquer contingência que o poema exige. Neste sentido, as formulações básicas da sua poesia dependem, primordialmente, dos nexos e combinações de imagens, embora longe de um experimento de laboratório poético e sempre sem escravizar a palavra.

Xosé Lois García
Barcelona, 15 de Julho de 2001

 

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